Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne

A CIÊNCIA
NO GRANDE TEATRO
DO MUNDO
António Manuel Baptista

HOMENAGEM

Esta importante obra da autoria de um dos nossos grandes investigadores, nomeadamente em física nuclear e por tal premiado e distinguido internacionalmente, professor universitário e grande divulgador da ciência em palestras, programas de rádio e de televisão, autor de livros e estudos e artigos em revistas internacionais, aparece aqui e agora por duas razões. A primeira por ser uma forma de eu homenagear um grande amigo, que acaba de nos deixar no passado dia 6 de Junho, após um longo período de sofrimento mas que manteve quase até ao fim um cérebro fantástico com capacidade de com ele continuarmos sempre a aprender muito sobre a ciência e a vida. Só agora também, porque esta sua obra que nos ofereceu, como aliás as anteriores, foi a última que publicou na importante série “Ciência Aberta” da Gradiva. Mas publicada em 1998, já se encontrava esgotada quando iniciámos este nosso projecto “Amor pelos Livros” e assim se manteve até ao presente. Com a sua divulgação aqui neste momento e até que haja, como julgamos merecida, uma reedição, vamos naturalmente falar um pouco dela e do autor e daremos ao mesmo tempo, como é nosso hábito, a possibilidade de serem lidos pelos nossos visitantes alguns excertos que, naturalmente não chegam para dar a conhecer totalmente a sua importância. António Manuel Baptista com quem, como já se depreendeu, desenvolvemos uma grande amizade, desde que na rádio realizava o seu programa “ A Ciência ao Serviço do Homem”, que lhe valeu o Prémio de Imprensa (Rádio) em 1969, era realmente uma pessoa extraordinária. Considerado, como aliás foi salientado no recente comunicado do MEC um homem extremamente culto, conversador vivo e inteligente era também um homem generoso. Os seus conhecimentos científicos que sabia divulgar com uma inexcedível clareza eram assim colocados ao sabor de quem o ouvia ou lia devido à sua grande generosidade. E esta sua qualidade esteve sempre patente, tanto na sua vida profissional como na sua vida particular. Disso demos conta muitas vezes e até eu próprio me interrogava como ele quase me considerava seu “par” – eu um simples jornalista da área da ciência – quando falava comigo ou colocava uma dedicatória nos seus livros que me oferecia como é o caso que aqui reproduzo 
“velho companheiro de boas batalhas (todas certas mesmo que os resultados estivessem errados)”. Só um amigo generoso poderia escrever isto de quem, como eu, só poderia ter batalhas, que as tive, mas num campo muito inferior ao seu. Ele sim, sabia como enfrentar os debates de alto nível, defendendo as suas ideias a favor de uma cultura científica, essencial para o progresso deste país. Nesta sua obra que aqui trazemos, António Manuel Baptista consegue descrever o caminho percorrido desde que aparece aquilo a que se pode chamar a filosofia natural até à filosofia experimental (título aliás do primeiro capítulo), isto é, a ciência. Desde o século VI a.C. com Tales de Mileto onde terão sido dados os primeiros passos para “pensar racionalmente a natureza sem o constante recurso à intervenção de divindades e mitos”, vão desfilando no grande Teatro do Mundo, os grandes filósofos de que citamos naturalmente Pitágoras, Platão e Sócrates, Arquimedes, mais tarde Kepler, Galileu ou Newton, enfim Einstein, Bohr, Heisemberg, todos os grandes cientistas/filósofos ou apenas com uma mais significativa incidência numa dessas duas áreas vão aparecendo no grande palco do teatro científico que abrange os quatro cantos do mundo. E este é verdadeiramente um mundo a cinco dimensões pois inclui também a importante coordenada do tempo. António Manuel Baptista, com a sua inexcedível sabedoria, descreve-nos todo esse longo desfile de grandes personagens na história da ciência mas a sua contribuição para o esse conhecimento vai mais longe do que isso. Como se todas as teorias ali descritas fossem, como aliás sempre defendeu, muito simples, transforma-se numa companhia admirável que nos parece estar ao nosso lado, conversando amigavelmente sobre algo que, sendo complicado, afinal se torna muito simples. Simples, é claro, porque ele assim nos faz ver e crer. Porque ele sabe. E sabe como nos há-de explicar. Aliás tinha uma curiosa máxima que seguia rigorosamente: “Se não conseguirmos explicar de forma elementar conceitos científicos complexos é porque não os dominamos”. E arriscamo-nos a pensar que foi essa necessidade de absorver aquilo que a ciência lhe apresentava que o levou ao seu fervor de, apresentada que fosse a oportunidade, divulgar o que sabia com uma simplicidade que ultrapassava os limites convencionais conhecidos até aí. Para além de nos falar da história da ciência e da filosofia da ciência, apresenta-nos algo que muito defendia como as relações da ciência com a sociedade e o ensino mas também com a literatura, nomeadamente a poesia. Um dia, sabendo da sua grande admiração por muitos poetas, nomeadamente Rilke que o levara a aprender um pouco de alemão para o ler no original, perguntei-lhe se, sendo lugar comum dizer-se que os poetas descrevem situações incompreensíveis, não haveria uma certa dicotomia entre poesia e ciência. “Claro que não”, respondeu: “Poesia e ciência são pontes para o mesmo território”. Aliás, ao longo das páginas deste livro, não são raras as ocasiões em que refere as relações entre as duas. Como também é conhecido - e muitas vezes o confessou ser um poeta “doméstico” - apenas escrevia para si e para a família mas sem publicar, excepção de algo que o foi por iniciativa da filha, a editora Cristina Ovídio. Mas não quero afastar-me do prometido que era dizer o que pensava desta obra que aqui trouxe desta vez. Sendo muito difícil ir mais além, tão enorme é a importância, a variedade nas formas de abordagem, os aspectos que dizem respeito à ciência, os seus intervenientes, os criadores, os filósofos da ciência, um mundo infinito de descobertas ou conceitos que nos são oferecidos para deles ter um melhor conhecimento, para que se possa absorver e viver cultura, que apenas me resta deixar o habitual convite para lerem alguns excertos. Foi difícil a escolha, tantas eram as páginas que desejava que todos lessem. É talvez a obra que maior quantidade delas ficarão a vossa disposição. Que gostem e apreciem, até que venha a ser reeditada. Fica a homenagem ao insigne investigador físico nuclear, um grande amigo e grande divulgador da ciência.


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