Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne


LIVROS DE
JOSÉ SARAMAGO
Na Porto Editora
Fundação José Saramago

Novas edições de livros de José Saramago, anteriormente publicados pela Caminho, estão agora nas livrarias com a chancela da Porto Editora em novo acordo feito com a Fundação do nosso prémio Nobel da Literatura. Nesta primeira fase são nove as obras apresentadas de uma forma original, com capas elaboradas por um gabinete de designer, onde sobre um fundo pastel aparecem os títulos na caligrafia de nove destacadas personalidades da literatura e da cultura portuguesa e que igualmente foram amigos do autor. Álvaro Siza Vieira, Baptista-Bastos, Eduardo Lourenço, Dulce Maria Cardoso, Gonçalo Tavares, Júlio Pomar, Lídia Jorge, Mário de Carvalho e Valter Hugo Mãe escreveram com a sua mão os títulos de A Caverna, A Noite, A Viagem do Elefante, As Intermitências da Morte, As Pequenas Memórias, Ensaio sobre a Lucidez, História do Cerco de Lisboa, Manual de Pintura e Caligrafia e O Homem Duplicado. A respectiva caligrafia está identificada numa das primeiras páginas do interior. Para além destas obras, em breve outras se seguirão, mantendo o mesmo estilo, na sequência de um desejo de inovação que ficou a marcar a entrega da edição e reedição das obras literárias de José Saramago à Porto Editora que irá igualmente prestar o seu apoio financeiro e logístico à Fundação, criada por sua mulher Pilar de Rio, no sentido de promover o melhor estudo e divulgação da obra literária desse grande escritor que marcou de forma inigualável a moderna literatura portuguesa.

Não sendo meu propósito repetir as palavras que já tive oportunidade de escrever sobre José Saramago neste espaço que criei na grande rede global para expressar o meu “amor pelos livros”, não posso no entanto perder mais uma oportunidade de juntar algo que tenho sentido nestes últimos tempos. É que, apesar de algumas (poucas) vozes terem chegado a afirmar que a escrita ou o estilo literário criado pelo nosso Nobel da Literatura não era muito fácil de entender (grandes períodos sem a costumada pontuação a separá-los ou então pontuação a mais mas sem parágrafos) e conduziria a um cansaço desmotivador, juntando alguns críticos que lamentavam a atribuição do grande prémio mundial que melhor ficaria noutros autores que me dispenso de aqui referir, a verdade é que tal não aconteceu. E até, apesar do difícil momento que vivemos e do entusiasmo pelo aparecimento de novas tecnologias que entusiasmam os mais jovens, afastando-os do hábito da leitura, tenho notado – e não serei certamente o único – que as obras de Saramago continuam a ocupar um lugar de destaque na venda de livros e portanto nos escaparates das livrarias e é muito vulgar encontrarmos pessoas que as lêem, seja num banco de jardim ou nos transportes públicos.
É verdade que Saramago escreveu precisamente para o seu povo ou para todos os povos que desejam aprender a conhecer melhor a finalidade da sua presença neste mundo, defendendo os seus direitos e ajudando a lutar contra todos os que pretenderem tirá-los. Vivemos de facto um período – mais um – em que a humanidade se apresenta por vezes com muito pouco de humana. Esquecemos com frequência muito do que se passa à nossa volta, como se constituísse uma espécie de mundo à parte onde não vivemos e ao qual não pertencemos. É quase a velha história do “salve-se quem puder” ou então “quem vier depois que resolva”. E em muitas das suas obras, Saramago ajuda-nos a reflectir e recorda-nos precisamente o que muitas vezes já esquecemos. Ele não deixa é claro de chamar a nossa atenção para os perigos dos mitos ou da crença nos milagres divinos, o que não agradou a muita gente e continuará por certo a não agradar. Mas neste preciso momento, nesta época que estamos atravessar, basta olharmos para os locais onde se travam as grandes lutas e os mini-holocaustos para compreender onde residem os motivos para que tal aconteça. Saramago, o homem, o escritor que nos deixou nas suas obras um legado de pensamentos e de conhecimento, em grande parte conseguidos, quando trabalhando como simples serralheiro mecânico, depois de abandonar a sua aldeia de Azinhaga do Ribatejo e apenas tendo conseguindo frequentar o ensino secundário, passava longas noites na biblioteca do Palácio Galveias, folheando livros e os mais diversos catálogos que por lá encontrava. Saramago, o mestre que nunca o quis ser, mas que o foi de facto para muitos de nós. Saramago continua mais do que presente na actualidade, representado que está na tradução das suas obras em muitas dezenas de países. Como já é meu hábito dizer – e não sou nada original:
– Até Sempre Saramago!

O nosso encontro é na Fundação José Saramago

1974 - O Ano que começou em - ABRIL

António Luís Marinho
e Mário Carneiro

Mais um dos muitos livros que assinalaram as comemorações dos 40 anos do 25 de Abril havia que colocar neste meu espaço onde já estão igualmente as capitãs de Abril. E mais uma vez, pelas mesmas razões. Tal como no anterior existia uma locutora/apresentadora, desempenhando funções idênticas às minhas, também nesta obra que hoje aqui deixo, ela se identifica com a profissão que exerço. É da responsabilidade de dois jornalistas, António Luís Marinho e Mário Carneiro, baseando-se nos excertos retirados de dois prestigiados órgãos da comunicação social:
Diário de Notícias e a Revista Flama, por coincidência dois em que também eu próprio colaborava regularmente, como jornalista que sou. Existe também portanto uma razão que me levaria, se outras não existissem – e é claro que existem – para aqui trazer outra das muitas obras que então se publicaram a respeito do 25 de Abril.
E de facto, como os autores salientam no prefácio, “se o 25 de Abril não tivesse acontecido naquele ano de 1974, este ficaria na História por outras e muitas variadas razões, desde as muitas celebridades que nele nasceram entre os quatro mil milhões que marcavam o também Ano Mundial da População, aos casos mediáticos da Índia se ter tornado a sexta potência nuclear do Mundo ou de um senhor desconhecido ter inventado aquele papelinho amarelo que se chama post it ou ainda de um outro que ao passar com a mão na areia da praia inventou o chamado código de barras que pela primeira vez foi experimentado e lido num pacote de pastilha elástica. Mas para todos nós, portugueses, 1974 foi o ano em que Abril nasceu ou melhor, como dizem os autores deste livro, “… o Ano que começou em Abril”. E a expressão está mais que correcta porque Abril era desde há muitos anos desejado e esperado pelo povo. Vivendo sob uma ditadura violenta que lhe retirava todos os direitos, desde a saúde à educação, martirizando e torturando aqueles – e foram muitos – que lutavam para derrotar esse regime, a grande maioria da população portuguesa esperava que numa qualquer madrugada, esse Abril nascesse. E essa grande alegria, que viria a devolver-nos a liberdade tão esperada, aconteceu exactamente numa madrugada do ano de 1974.
Tudo aconteceu, como se fosse de há muito minimamente preparado. A muitos terá parecido fácil. Foi a revolução dos cravos. Uma revolução de flores, onde não foi necessário que as armas disparassem. Um cravo no cano de uma espingarda tornou-se um símbolo que haveria de fazer nascer sorrisos nos rostos por onde tinham passado muitas angústias e corrido muitas lágrimas. Eu próprio sentira no seio da minha família as garras da Pide que numa das muitas vezes em que o meu Pai fora preso, esteve um mês encerrado na prisão da Torre do Bugio, com água até aos joelhos. E também comigo, a aventura principiaria bem cedo, antes das perseguições que a polícia política haveria de fazer a alguém cujo nome, não totalmente fictício, não aparecia exactamente do mesmo modo nos registos do Liceu ou da Faculdade. Mas isso é outra história que um dia talvez venha a contar. Apenas com três anos de idade, uns polícias pidescos retiraram-me do berço onde dormia, altas horas da noite, na nossa casa de Campo de Ourique, pensando que nela iria decorrer uma reunião e que debaixo dos lençóis alguém mais importante do que a criança que eu era estaria escondido. Mas voltemos a este livro que vai ficar como documento completíssimo de todo esse período que começa em Janeiro e termina em Dezembro de 1974, pleno de fotografias e notícias dos referidos Jornal e Revista, evocando na devida altura a grande história do nascimento de Abril, o antes e depois do grande dia 25, que todos nós não esqueceremos nunca mais.
O modo como os dois autores resolveram apresentar as imagens e excertos recolhidos dos ficheiros da Biblioteca Nacional, juntando-lhes os devidos comentários e descrições ao longo das cerca de 400 páginas que constituem este livro, permitem-nos de uma forma extremamente eficaz mas ao mesmo tempo simples, reviver o antes e o depois daquele período que foi considerado por muitos analistas internacionais um dos mais extraordinários exemplos de como um país se consegue libertar do atroz sofrimento a que esteve submetido durante largas décadas perante um poder absoluto onde reinava um ditador que envelheceu numa cadeira, rodeado apenas de alguns poucos amigos que alimentava com mordomias várias mas que a ele obedeciam cegamente, seguindo as suas ordens desumanas e terríficas. Este livro é o retrato fiel de como vivíamos nesses meses que antecederam o 25 de Abril, no auge de uma guerra colonial que continuava a levar os nossos jovens para o além mar, em defesa de territórios onde os grupos de libertação eram chamados de terroristas, enquanto nesta pátria empobrecida imperava a exploração do trabalho infantil, se proibia tudo o que pudesse relacionar-se com o sexo ou a igualdade de direitos da mulher. Mas algo se preparava de facto e o livro de um general do regime causa sensação e atordoa os membros do governo. “Portugal e o Futuro” escrito pelo General Spínola era um desafio sério à política do governo. Mas para quem se tenha esquecido, ele confessaria depois numa entrevista à Televisão Francesa que não considerava que contivesse quaisquer divergências com a política portuguesa. É bom que seja recordado, como fizeram muito bem os autores. E depois, tínhamos também as célebres “Conversas em Família” nas quais Marcelo Caetano tentava convencer-nos de que tudo estava a correr pelo melhor ou de que a sua política estava ao lado do povo. Não era assim de facto. E o povo saiu à rua, juntamente com o movimento dos militares de Abril, para o retirar e à sua equipa do Quartel do Carmo onde se tinham refugiado. Relembra-se também nestas páginas o que foram as comemorações do dia 1 de Maio na Alameda Afonso Henriques, juntando mais de um milhão de pessoas, comparadas, segundo escrevia o DN, às que marcaram a célebre libertação de Paris. “1974 – o Ano que começou em Abril” fica de facto para a história como documento único que marca de forma excepcional, através dos registos documentais, um ano memorável para o nosso país.

Para ler um excerto desta obra clique aqui