Não se pretende fazer aqui crítica literária. Sou um cidadão do mundo que sente amor natural pelos livros. Na minha casa as paredes estão cobertas pelos livros. E falo com eles ou melhor eles falam comigo como se fossemos grandes amigos. Revelam-me os seus segredos e os conhecimentos dos seus autores ou contam-me histórias onde se inscrevem valores humanitários universais.

São ensaios, romances, contos e narrativas, peças de teatro, clássicos e modernos, mas também sobre o ambiente ou tecnologias úteis no nosso dia-a-dia. São obras que fazem parte da minha paixão pelos livros e que humildemente indicamos como sinal e guia para quem deseje conhecer conteúdos que julgamos dignos e fiáveis.

E porque desejo transmitir uma análise que embora pessoal seja minimamente correcta nem sempre consigo manter a actualidade que seria normal se a falta de tempo por abraçar outras actividades não o impedisse. Mas aqui estarei sempre que possa.

Gil Montalverne


À Janela dos Livros
Rui Beja
Temas e Debates/Circulo de Leitores

Há muitos anos que conheci o autor, precisamente no Círculo de Leitores, onde acompanhei todo o seu percurso até ao último cargo de Administrador. Já antes, como sócio, adquiria regularmente algumas edições que hoje povoam as minhas estantes e são, sem sombra de dúvida, das melhores leituras que é possível recomendar. Não porque as escolhi. Mas simplesmente porque o Círculo de Leitores pautou a sua gama de edições pelo que de melhor havia na literatura mundial, incluindo naturalmente os autores portugueses. Claro que, como um Clube de Livros que era, houve sempre a necessidade de ter entre os títulos editados obras que agradariam mais a uns do que a outros. E por isso mesmo, isso significava um êxito editorial no mercado português. Mas estou a afastar-me deste livro em si e sobre o qual haveria muito que dizer se o espaço e o talento não me faltassem. Tal como o subtítulo menciona, Rui Beja apresenta-nos não só a sua vivência dentro da editora como também a “Memória de 30 anos do Círculo de Leitores” que foi afinal quantos o Círculo comemorou em 2001. Uma Janela é sempre algo que se abre e esta abre-nos as portas do que se viveu naquela casa onde os livros passavam pelas várias etapas que lhes são específicas: desde a leitura atenta dos manuscritos à sua edição propriamente dita. Rui Beja, licenciado em Controlo Financeiro pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa iniciou a sua actividade no Círculo como Director Financeiro e assumiu o cargo de Presidente Administrativo em 1992. Extraordinário é como Rui Beja nos consegue conduzir ao longo da história de uma editora de Livros com o mesmo interesse que teríamos em ler um romance marcado por avanços e paragens momentâneas para escolher o melhor caminho, mas sempre conduzindo da melhor maneira a forma de tornar aquela editora uma referência nacional e internacional nos meios literários. Mas o extraordinário que Rui Beja nos consegue também dar neste seu livro e que considero de inegável interesse é como ele acompanha toda a história do Círculo e a sua de um rigoroso estudo histórico dos acontecimentos de carácter político e cultural que classificam um período muito triste e trágico da nossa história recente. As perseguições políticas a escritores, jornalistas e intelectuais que foram impedidos e alguns presos e traumatizados pelo fascismo. Tudo acompanhado de uma documentação cuidada que inclui extractos de ofícios, estatísticas, etc. Um trabalho admirável que nos reaviva a memória dos que viveram tais tempos e revela aos que vieram depois e não os conheceram nem lhes é por vezes contado como devia ser. Mas voltando ao Círculo, A Casa Mãe Bertelsmann, que tivemos oportunidade de visitar, acompanhando um anterior administrador mas certamente com o apoio de Rui Beja tinha um lema aliás citado no livro que afirmava “ A falta de velocidade é nos dias de hoje um luxo a que não nos podemos dar”. Estávamos então em 2000/2001. O Círculo era já um exemplo e não foi por acaso que em 1998 foi distinguido com o prémio da Revista Exame para a “ Melhor entre as Maiores” empresas no sector de “Edição, Informação e Artes Plásticas”. De facto e isso vamos constatando ao folhear este livro de Rui Beja, o Círculo de Leitores apostou fortemente numa área que tinha de lutar nesse tempo com uma taxa de 30 por cento de analfabetismo, contra uma censura cega que negava tudo o que fosse acesso ao conhecimento e à cultura. Conforme refere Francisco José Viegas, ao tempo pertencente aos quadros daquela casa dos livros, o Círculo de Leitores representava naquela época, ao pensarmos hoje nos poderes da Internet, “a verdadeira rede social erigida em nome da leitura, transformando os costumes portugueses e as paredes das casas de família, com as lombadas e colecções históricas que obrigaram milhões de portugueses a ler, a conhecer os nomes dos autores e a partilhar essa experiência entre pais, filhos (e) vizinhos”. Era a verdadeira fonte do conhecimento para os que queriam ir mais além no seu direito à cultura que se torna também um prazer. Mas um prazer que nos traz sempre algo que se fixa na nossa memória e que nos ajudará mais tarde a melhor reflectir, decidir e actuar. As diferentes ideias que, como Director Financeiro ou como Administrador, Rui Beja permitiu que fossem divulgadas e chegassem às mãos dos leitores contribuiram com toda a certeza para um Portugal mais culto e esclarecido.
Como é natural, para compreendermos a personalidade de Rui Beja, ele dispõe nas primeiras páginas uma completa autobiografia e dela se inferem já muitas ideias que mais tarde viria a por em prática, depois fala-nos dos tempos difíceis em que era necessário lutar por elas e vencer, etapa a etapa, a rota que ele iria traçar, num trabalho dentro do Círculo de Leitores que sempre conhecemos com lealdade e respeito pelos seus colaboradores. Não será possível esquecer – pelo menos no meu caso – o sorriso aberto com o qual nos recebia durante os lançamentos que viriam a tornar-se grandes sucessos editoriais. Era fácil adivinhar, depois de com ele privarmos um pouco, que a sua forma de trabalhar dentro do Círculo era para além de exemplar um verdadeiro estímulo para todos dentro daquela casa darem o melhor de si e do que sabiam. E por isso a ele se devem certamente tais sucessos. Rui Beja era um exemplo a seguir. O Círculo foi até certo ponto o espelho da sua vontade e do seu saber. Cresceu com toda a certeza porque teve à sua frente pessoas que deram o melhor de si para que a cultura fosse elevada ao grau que merece. Lançaram-se novos autores, editaram-se os grandes clássicos da Literatura Portuguesa, traduziram-se os mais ilustres nomes da literatura mundial, não se esqueceu a História, a nossa e a universal, como não se esqueceram as grandes áreas da Ciência na sua vertente mais Técnica ou da Biologia, as Artes, os Ensaios, os livros práticos de divulgação eventualmente mais ligeiros, as religiões, e todo um vasto mundo cultural que hoje constitui o seu enorme catálogo de títulos, muitos deles de há muito esgotados. Rui Beja ficará sempre com um dos nomes que mais influenciou os êxitos que o Círculo de Leitores espalhou pelas nossas casas. Saiu no momento em que uma transformação se aproximava e que certamente não estaria de acordo com os seus critérios. Facilmente se compreende ao observar o que se passa nos dias de hoje. Mas aqui o que importa salientar é como neste livro fica extraordinariamente bem documentado todo o percurso desta verdadeira Casa dos Livros, que foi a sua e que representou uma parte da de todos nós. Rui Beja tinha e tem, posso afirmá-lo com toda a certeza, um grande amor pelos livros. Obrigado Rui Beja pelo prazer que me deu em ler esta obra que aqui coloco agora no meu Amor pelos Livros.

Para ler alguns excertos desta obra clique aqui

A PAIXÃO DE JANE EYRE
Charlotte Brontë
Publicações Europa-América

Na sua Colecção Clássicos da Europa-América estão publicadas, tal como refere a própria editora, “aquelas obras que ultrapassam o ordálio temporal e que são hoje património da Humanidade”. Se a irmã, Emily Brontë, se tornou mais conhecida principalmente pelo seu romance “O Monte dos Vendavais” que igualmente foi transportado para a 7ª Arte, Charlotte foi a sensação do seu tempo ao lançar para o público A Paixão de Jane Eyre que foi de imediato bem recebido e consagrado naquela época. Estávamos em 1847 e a crítica dividiu-se. Ou melhor, reconhecendo-se embora que as duas irmãs eram escritoras de génio indiscutível, a personagem Jane Eyre de Charlotte é uma figura que pela primeira vez resolve impor os direitos de independência da mulher que estavam muito limitados pela sociedade inglesa do seu tempo. Mas há dois aspectos que nem todos conhecem. Existe uma relação muito forte entre a vida da própria Charlotte e a personagem Jane do seu livro. Ambas viveram o drama do asilo e de um certo abandono familiar. Este e outros aspectos focados no seu livro são de facto autobiográficos. Charlotte viveu precocemente o que nos descreve e não devemos esquecer que a obra está escrita em forma de diário. São de facto muitas das suas recordações pessoais que ela nos conta. Jane e Charlotte são verdadeiramente umas lutadoras pelos seus mais puros ideais. Naturalmente que ao colocar aqui este clássico da literatura, os leitores mais jovens poderão interrogar-se sobre o interesse do tema e a forma como é descrita a acção da obra. Mas é necessário compreender que muitas das grandes obras da literatura mundial valem pela forma como foram escritas na época em que foram editadas mas sobretudo por nos transportarem aos valores que dominavam esses tempos vividos pelos respectivos autores. E isso é Cultura, infelizmente muito maltratada e até esquecida no mundo actual, preocupados que andamos com o estado a que chegou o desentendimento entre os povos e o desrespeito pelos valores humanitários, para não citar outras razões e factos. Este livro que foi lido e relido pelos jovens que hoje são adultos na casa dos 70/80, pode tornar-se uma forma de revisitar outros tempos, relembrar a própria História Mundial, mesmo assim não muito longe da actualidade, em que estes romances e outros do mesmo género foram as leituras preferidas. Estou portanto à vontade pela sua colocação nesta galeria do meu Amor pelos Livros para, como outros que a seu tempo, se a vida mo conceder, aqui ficarão também. Jane Eyre, cuja infância fora bastante infeliz, consegue subir pela sua força de autocontrolo, lutando contra a adversidade e sempre com a plena consciência de que haveria de encontrar o que ansiosamente procurava. É esta luta que sobressai na sua história e que Charlote Brontë descreve em toda a plenitude do seu génio literário. Foi bem-vinda esta reedição e vivamente aconselhamos a sua leitura a quem porventura não a tenha lido ou que a releiam aqueles para quem esta obra foi uma das suas preferidas em tempos passados.

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